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Maricá - Itaipuaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Sou poetisa, cantora, compositora e amante das artes.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

INEVITABILIDADE (Beatriz Oliveira)


Há coisas que conhecemos na vida, através dos outros, de suas opiniões, de suas vivências, seus medos, suas atitudes...

Normalmente, esse aprendizado se dá, ainda, na infância: "não ponha o dedo aí, isso dá choque!", "não brinque com fogo! Vê essa marca aqui? É de uma queimadura.", "não seja tão indelicada! As pessoas se magoam e isso é muito feio!", "não se toque e não se deixe tocar! O sexo é um pecado, tão sério que originou a expulsão do homem do paraíso celeste!", "não reclame da sua vida, nem tente modificá-la! Nós temos o que Deus nos deu e Ele não gosta de ingratidão!"

Durante muito tempo, tentamos agir de forma a não contrariar aqueles conselhos dados por pessoas próximas. Mas, em determinados momentos, nos questionamos acerca do motivo pelo qual tudo aquilo é proibido e perigoso ou desagradável, já que faz parte da vida, faz parte da gente, do que a gente sente.

A curiosidade, a raiva, o sexo, a ambição... Tudo isso faz parte de nós, mas nós aprendemos, desde cedo, a esconder.

A maioria de nós segue as dicas, sem contestar. Às vezes, algumas de nós teimam em pôr o dedo na tomada e tomam choque mesmo. Algumas das que tomam choque, nunca mais põem o dedo na tomada e passam a seguir, à risca, os conselhos daqueles que "sabem de tudo, afinal acertaram sobre a tomada!" Outras, porém, após o baque, pensam: "Nossa, eu tomei um choque mesmo! Minha mãe tinha razão! Mas, afinal, não foi tão ruim... Foi rápido, suportável e, agora, tenho a sensação de conhecer, por mim mesma, o choque. Isso é legal!"

Outras põem o dedo na tomada e não tomam choque nenhum. Não entendem o porquê, pois consideram que os "sabe-tudo" jamais mentiriam, mas desconhecem o fato de que aquela tomada, por algum motivo escuso, estava desligada, por isso não deu choque.

As mulheres que seguem as dicas, desde o princípio, vivem vidas monótonas e sem experiências próprias, pois vivem temendo o que aconteceu na vida de outras pessoas e acreditam que, se não seguirem os conselhos ouvidos, naufragarão num mar de "choques", ignorando que os mesmos poderiam não acontecer nas suas vidas, ignorando o mais importante de tudo: Todas nós naufragaremos num mar de choques, durante a vida, seguindo ou não os conselhos!

As mulheres que teimam em colocar o dedo na tomada e levam o choque, vivem, por si mesmas, a experiência da eletricidade e podem dizer: "Eu pus o dedo ali e tomei um choque!" e não: "A minha mãe disse que tomou um choque ao colocar o dedo ali.", mas, no fundo da alma, pensam: "Será que a minha mãe tomou o choque ou está dizendo isso só pra me impedir de experimentar?" E a dúvida é o pior dos sentimentos!

Há aquelas mulheres que, ao tomar o choque, ficam tão desesperadas que pensam: "Meu Deus! Nunca mais vou colocar o dedo ali! Nunca mais vou contestar!" e acabam ficando como aquelas primeiras. Ficam pra sempre presas ao "pré-conceito". Por outro lado, há as mulheres que, ao sentirem o choque, não ligam muito. O choque é relativamente fraco, não dói muito. Pelo que ouvia dizer, o choque parecia ser uma coisa desesperadora, insuportável, sobre-humana... E não foi assim. Foi dolorido, mas passou rápido e valeu a pena aprender que, se algum dia, for necessário, em sua vida, tomar um choque no dedo para resolver alguma coisa, ela optará pelo choque.

Essas mulheres aprendem que, às vezes, é necessário tomar choque para se conseguir coisas na vida. Às vezes, é necessário brincar com fogo e se queimar um pouquinho (ou muito), para conseguir uma coisa mais importante que o seu próprio “dedo” e, quando olhar para a cicatriz, se lembrar do quanto foi difícil conseguir algo e valorizar, por demais, esse algo, já que lhe custou uma cicatriz. Às vezes, é necessário fazer e/ou dizer coisas que magoam as pessoas, em prol de si mesmas, pois essas mulheres aprendem que negar a si mesmas é negar ao seu próprio Criador e que esse Criador não vai ficar chateado se elas aprenderem a se defender sozinhas. Aliás, Ele vai ficar, até, feliz por não precisar se preocupar com problemas menores, quando tem um monte de guerras e miséria pra resolver.

Essas mulheres aprendem que, às vezes, é preciso se tocar, porque o fato de estarem sozinhas as deixa muito vulneráveis e o conhecimento do próprio corpo e o prazer que esse conhecimento proporciona lhes dão uma sensação de poder sobre si mesmas. Mas elas também sabem que, às vezes, é necessário deixar-se tocar, porque, nem sempre, o seu próprio toque as remete àquilo que elas mais desejam: a união com a sua alma inteira, completa. Às vezes, elas se sentem culpadas, impuras, por se tocarem e por se deixarem tocar, mas esse sentimento vem daquilo que elas aprenderam, quando pequenas. E percebem que as pessoas entenderam de forma errada a mensagem. O maior pecado não é o sexo, é o sexo pelo sexo, sem calor, sem amor, sem paz.

E, quando elas percebem isso, começam, realmente, a se conhecer e a se respeitar. Aí, sim, começa o processo real de amadurecimento. Elas começam a se preparar para tomar um choque necessário, começam a usar luvas de amianto antes de colocar as mãos no fogo (porque elas colocam!). Elas começam a escolher as palavras para dizerem “E-XA-TA-MEN-TE” o que querem dizer, sabendo que podem magoar, mas que isso, às vezes, é necessário, para que os outros também aprendam a respeitar o seu espaço. Elas se tocam e se deixam tocar, sem culpa, se entregando a cada evento, objetivando o re-conhecimento do Templo Divino, onde Deus colocou uma sua centelha, objetivando a religação consigo mesmas e com o seu Deus interno. Elas começam a questionar as suas condições de vida, não com o objetivo de serem ingratas com Deus, mas para fazerem “render” o tesouro que Ele lhes depositou em mãos, para crescerem e serem felizes e fazerem os outros felizes, porque esse é o real objetivo das mulheres no mundo!

Normalmente, essas mulheres são vistas como anarquistas, feministas, insensatas, inconstantes, quando, na verdade, são apenas elas mesmas, são aquilo que a sua alma sempre pediu, mas que o mundo nunca lhes permitiu. Mas essas mulheres não querem mais saber do mundo. Vivem nele, tudo bem, mas não precisam viver por ele. Vivem por si mesmas.

Nesse momento, é que a vida costuma dar a última lição a essa mulher... Quando ela se sente dona de si, responsável por sua vida (e, às vezes, por outra vidinha que começa), quando ela se sente forte e capaz de resolver seus próprios problemas e de viver independente das convenções (porque ela pode!), aí ela conhece um homem.

Esse homem a faz sentir choques, não apenas no dedo, mas no corpo inteiro, somente em olhar pra ele. E ela sente odores que nunca sentiu em sua vida. Ouve sons que nunca ouviu, pensa em coisas que nunca antes pensou. Ela começa a agir de forma diferente de tudo o que aprendeu: nada de convenções ou de peculiaridades! Ela sente um fogo que queima, não só a mão, mas seu corpo inteiro, somente em pensar naquele homem. Ela começa a dizer coisas, de si mesma, que nunca imaginou que diria, porque são coisas que julga perigosas para si. Ela começa a se tocar, não como antes, solitária, mas de uma forma mais ampla, mais completa, porque o toque, agora, não envolve somente o corpo, envolve o pensamento, a alma, é transcendente! Ela começa a querer modificar a sua vida. Começa a maldizer o que fez, achando que seria mais fácil viver se, no passado, tivesse agido de outra forma, esquecendo-se de que nada acontece por acaso e que não adianta querer mudar o passado, mas que se deve viver o presente, construindo um futuro, sem se preocupar muito com ele, porque ele pode vir ou não. Essa é a fase da descoberta!

E, quando ela pensa que está sendo madura e firme, o homem a desmascara e diz, com detalhes, tudo o que ela está pensando e o porquê. Parece que pensam juntos. E ela sente medo e raiva: “Como ele pode saber tanto de mim? Ele não tem esse direito!” Essa é a fase da revolta, durante a qual ela pensa em lutar com esse homem, até o fim de suas forças, e pensa em manter a sua vida como está, sem medos, sem novidades, sem altos e baixos. Mas o desejo de aventura e crescimento é tão grande, que logo chega a fase da resignação, quando ela percebe que tudo o que ela quer é ser descoberta, desmascarada, para ser ela mesma, não só para si, mas para o mundo também. Então, ela desiste de lutar e se entrega. E somente nessa entrega é que ela se encontra e encontra seu verdadeiro lugar no mundo. Ela descobre a inevitabilidade. Ela descobre que essa inevitabilidade a perseguiu durante toda a sua vida e que de nada adiantou lutar contra os seus desígnios, de nada adiantou lutar contra as convenções, de nada adiantou lutar contra as pessoas e, às vezes, até, contra si mesma, porque as coisas continuam acontecendo como sempre aconteceram.

A mulher nasce e cresce dentro de um turbilhão de informações que não servem pra nada, exceto para serem contestadas. Quando contestam, as mulheres aprendem o valor da vida conquistada e não oferecida. Quando descobrem isso, tentam absorver e aproveitar tudo o que a vida lhe oferece, com independência e, quando pensam que estão livres, se deixam aprisionar, por vontade própria, desdizendo e contrariando tudo aquilo pelo que lutaram a vida inteira.

Acho que essa é a verdadeira natureza da mulher: lutar até a completa exaustão, vencer, descobrir, frustrada, que a vitória mundana não lhe serve pra nada, se desesperar, como o cão que persegue a roda de um carro em movimento, e perceber que, quando o carro para, ele não sabe o que fazer. A verdadeira mulher não sabe o que fazer com suas vitórias mundanas! A mulher nasceu para o sublime, para o invisível, o etéreo, o imaginário e, quando percebe isso, a mulher madura prefere fingir que perdeu, entregar-se ao seu senhor, para ser sua senhora, não na vida ou na cama, mas na alma do homem que escolheu (porque, sim, ele foi escolhido!) e para viver plenamente a sua verdadeira natureza.

Por isso Eva foi tirada da costela de Adão, para entender que não é maior, nem menor que ele, somente diferente. Adão, feito do pó da terra, nasceu para a terra. Eva, feita do corpo de Adão, nasceu para ele e somente ao seu lado poderá encontrar a sua unidade. Mas não qualquer homem! Não! O homem que saiba dar “choques”, cuja lembrança remeterá a inteligência infinita da mulher ao seu princípio, aos seus medos e frustrações, às suas lutas e às suas vitórias. Cuja lembrança manterá viva em sua alma a certeza de que é necessário lutar para aprender que a luta não é necessária e que a única coisa realmente necessária é o seu verdadeiro amor.



2 comentários:

Vicente Portella disse...

Valeu Bia...Questionar é algo fundamental na vida.

Beijão pra vc

Andreia Jacomelli disse...

Puts! Que maravilha de mergulho no nosso universo e no universo das palavras! Parabéns, preciosa! Suscitou em mim a vontade desesperada de levar muitos choques (no corpo inteiro, é claro!). Mil vezes, parabéns!