Quem sou eu

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Maricá - Itaipuaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Sou poetisa, cantora, compositora e amante das artes.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

PORQUE CANTO (Beatriz Oliveira)


EU CANTO A POSSIBILIDADE, A ALEGRIA,

A TRISTEZA E A CRENÇA NA PRÓPRIA VERDADE,

EU CANTO EM NOME DA PAZ

QUE POVOA MINH’ALMA COM GENTE BONITA,

QUE AINDA ACREDITA QUE O REMÉDIO É O AMOR.

EU AMO COM TODA LIBERDADE, COM CALMA,

FIRMEZA E ENTREGA À PRÓPRIA SAUDADE.

EU AMO EM NOME DA DOR

QUE ARREBENTA MEU PEITO COM MÃOS DE CRIANÇA,

COM DENTES DE FERA E VOZ DE CANTOR.

E A GRAÇA QUE TRAGO NA GARGANTA

É A CAÇA QUE CAÇO A CADA ACORDE.

QUANDO O POVO LEVANTA E,

COM RISOS, ME ABRAÇA, COM A FORÇA DO VENTO,

EU QUERO TANTO NA MINHA ARTE FINDAR...!

VOZES ME DIZEM QUE NÃO VALE A PENA CANTAR

MAS, NESSE MOMENTO, O CORAÇÃO BATE ALTO

E NADA OUÇO, SÓ O CANTO E EU CANTO,

CANTO, CANTO, ATÉ ONDE AGÜENTAR!

(03/04/1996)

A TESOURA E O PANO (Beatriz Oliveira)


Tanto tempo se passou
E se vai passando o tempo ainda
Restando-me apenas o que sou,
O esquecimento e a esperança infinda.

Areia e cinzas me cobrem o cabelo.
Onde era só Eu, sou eu só, agora.
A mulher que vejo, no espelho,
Já de há muito me ignora.

Sentenciando-me, eu a esmo corro,
De mim para mim, formando um círculo,
Caçando-me num esforço sobre-humano.

E o tempo ainda passa: estorvo!
Viciando-me na ansiedade, no vínculo
Parecido com o que há entre a tesoura e o pano.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

QUARTA-FEIRA, À NOITE (Beatriz Oliveira)

Dois anjos negros eu vi

Com sonhos como asas

E realidade como halo.

Um levava o outro no colo,

Tentando fazê-lo dormir

Talvez para esquecer

As responsabilidades de anjo.

Dois negros anjos eu vi

Blasfemando contra leis,

Contra a igreja,

Mas de mãos dadas com Deus.

Eu vi os dois abandonados

Pela seriedade de sua missão.

Eu os vi abandonar os seus

Pelo desejo de cumpri-la.

Dois anjos negros eu vi

Tentando esquivar-se

Do seu destino angelical,

Tentando desligar-se

Do mundo material,

Tentando acreditar

Que tudo é brincadeira.

Um anjo no colo do outro.

Duas crianças jogadas

Numa das calçadas do Rio

Numa noite de quarta-feira.

SOLIDÃO A DOIS (Beatriz Oliveira)


De longe eu via os seus cabelos

Agitados, ao som da sua voz,

Que tecia teias doces de desvelos

Em torno de um futuro para nós.


De perto eu via os seus cabelos

Desfazendo os lindos cachos n’água,

Ao som dos meus sutis apelos

Temerosos de um final de mágoa.


Entre os lençóis eu já me convencia

De que o porvir traria amor e som,

Quando o seu frio olhar emudeceu.


Enquanto tristemente eu me vestia,

Pensando, retocava meu batom:

“Coitado. Tão perdido quanto eu!”

TANTO SER (Beatriz Oliveira)


Amo tanto assim um ser

Que, por ser assim, tanto

Me faz amá-lo, portanto

Digo que amo verdadeiro ser.


E por assim tão completo ser,

Não há que dizer que o amo tanto,

Pois que o mundo já percebe o encanto

Que esse amor reflete no meu ser.


Amor tão perfeito, tão ser,

Como existente, completo é tanto,

Que pelas vidas permanecerá o encanto.


O encanto de eterno e só nosso ser.

Um encanto na vida de todo ser

Que fizer por mais todo o nosso pranto.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

SONHO... (Beatriz Oliveira)


Como eu sonhei com este momento...

Poder olhar nos teus olhos com entrega e verdade.

Poder beijar teus lábios com força e desespero.

Poder tocar teus seios desvelados com ânsia e estupefação.

Como eu sonhei, Lua Encarnada, morder-te a face oculta,

Com doçura e salivação,

Entrecruzar pernas com pernas,

Com leveza e sedução,

Arranhar-te as costas, com ganância e remorso.

Como sonhei ó, Pérola Terrestre,

Olhando-te o corpo farto e lento,

Como a fera que observa sua presa,

Com o olhar esgazeado e a boca em queda.

Como sonhei com isto, ó, Girassol Sem Turno,

Banhar-te as pétalas rijas,

Com o pólen resulto da tortura que me impuseste,

Com gritos, delírios, com loucura.

Como sonhei, Nobre Figura,

Tomar teu corpo após a tempestade e te cobrir

Com o manto da tua própria majestade.

Sonhei, Mulher, e hei de sonhar em cada aurora:

Odiar-te com desejo e amar-te,

Para sempre, como te amo agora!

TORMENTA E DESESPERO (Beatriz Oliveira)

Ah, boca maldita,
Que diz o que penso
No eterno momento
Pérfido de desejo!
Ah, olhos que se abrem
E se torcem, esgazeando,
E delatando tudo que vejo!
Será possível ser paciência
Tolerância e sapiência,
Vivendo um sabor de menta,
Cheirando paz
E exalando tormenta?

SENSUAL (Beatriz Oliveira)


Num fio de dor, minha alma chora.

Num mar de ilusões, o corpo se agita.

Num medo inteiro, minha boca ora:

Muitas canções, palavrões e desdita.


Num contraditório mundo de vida

E de morte, há mais esta que aquela.

Vaga meu corpo. Eu, só e perdida,

Fugidia, almoçando na gamela.


Sou um bicho. A fera esfomeada,

De garras, saliva e mais desejo,

Revolvo o lixo do tudo e do nada.


Meu corpo clama pelo bom cortejo,

Esgazeando na noite apagada

E mesmo no escuro eu te vejo!

A SOLIDÃO (II) (Beatriz Oliveira)


A solidão é uma dor desesperadora!

É um sentido que entorpece os sentidos.

É querer ser, agora, o que antes fora.

É ver todos os futuros perdidos.


A solidão é uma dor lancinante!

É o desejo intermitente da prece.

É a droga alucinógena fulminante:

Não se quer... Se toma... Se enlouquece...!


A solidão é um caminho doente:

Entre uma ou mil e uma gente,

Não se quer, mas se é arredio.


Maléfica, é do bem maledicente!

Que a solidão me apunhale fortemente

Para encher, ao menos, de morte esse vazio!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

MEU ESPELHO (Beatriz Oliveira)


Meu espelho não me reflete.

Só reflete o que não vejo quando olho pra mim.

Quando olho para o meu "eu",

Vejo algo que o espelho não pode refletir.

Algo inerente à minha alma.

Ainda não fizeram espelhos capazes de refletir a alma.

Meu espelho só reflete uns pedaços de carne,

Que revestem o que eu sou de verdade.

PONTO FINAL (Beatriz Oliveira)



Às vezes, a tristeza me invade a alma

E me faz tão pequena, quanto um ponto no fim de uma frase.

O ponto final.

Até escrever me leva ao fundo, enfim, toda frase tem de ter um ponto final.

Em cada um, me lembro do quão pequena eu sou, naquele momento.

Pontos finais são terroristas, embora ainda não saibam disso.

Acho que deveria haver flores ao final de cada frase.

Flores são delicadas, fáceis de fazer e denotam continuidade, vida.

Pontos finais dizem que acabou.

Não lido bem com o fim.

Por isso, detesto pontos finais.

De onde vem a tristeza, não sei dizer...

Mas a pequenez vem dela e dela também o ponto.

Às vezes decido chorar a fim de por fim à tristeza,

Ajudando-a a sair.

Mas também as lágrimas têm fim,

O que me leva de volta ao ponto... final...

Decidi que vou colocar traços no fim de cada frase -

O traço é pequeno, mas é maior que o ponto

E denota seguimento -

Sim -

Embora pequena e triste, eu sigo!

Sigo para onde o fim da tristeza finalmente chegará -

Para onde descobrirei a alegria -

Para onde encontrarei outro traço em seguimento -

E seremos dois traços, quatro braços, oito laços -

Laços de amor e companheirismo,

De paz e de pontos finais -

Afinal, o fim é inevitável -

E voltamos ao início...

Sabe? Aquela história do ponto final...

Mas se volta ao início,

Não há desperdício!

E o ponto se torna uma pausa mais longa-

Não gosto de pausas,

Mas não posso evitá-las-

Por isso eu choro-

Só por isso, e ponto final.

(19/10/06)

domingo, 16 de novembro de 2008

N’ALGUM LUGAR (Beatriz Oliveira)


N'algum lugar desse quarto escuro está a minha fantasia. Passo horas do meu dia procurando-a entre papéis, livros, roupas rotas... Passo dias da minha vida procurando-a, sem perceber que a fantasia sou eu. Na verdade há alguém procurando eu-fantasia no quarto, onde eu me escondo eternamente, n'algum lugar.

sábado, 15 de novembro de 2008

A FITA (Beatriz Oliveira)


Uma fita crepom, de cor rosa, se desprende de um arranjo alto. Vem descendo, lentamente, como que escorrendo pelo ar. Para mim, o espetáculo parou, por um momento. Os aplausos se abafaram... Cinco segundos, breves e intermináveis. Todo o som ao redor sumiu, por causa de uma fita cor-de-rosa fugidia.

Pensei que a vida daquela fita crepom esteve vazia e a queda tenha sido, talvez, um salto suicida. O que realmente me enternece é que, dentre toda aquela multidão, músicas e risos, ninguém viu a fita no chão. Só eu vi.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O SÓTÃO (Beatriz Oliveira)




















No sótão da minha consciência guardei coisas das quais quero me livrar. Brinquedos, livros, pessoas, pensamentos… Mas toda vez que subo a escada, levo algo de novo nas mãos e sou freqüentemente impedida de mergulhar na bagunça.
Sei que preciso visitar o sótão, lá dentro, pra me desfazer do que não serve mais. Embora a visão externa seja tão harmônica, quando a porta se abre muitas coisas pulam sobre mim. Por isso evito visitá-lo, o sótão.
Penso que seja melhor jogar, de fora pra dentro, as coisas novas e evitar, cuidadosamente, as coisas de dentro pra fora.
Entretanto perguntas me atacam: E quando o sótão estiver tão cheio que não caiba mais nada? Onde vou colocar minhas lembranças e dores? Como vou arrumar a casa, escondendo o que não pode ser visto? Onde vou colocar o meu clone, que só é eu quando ninguém me vê?

UM PÁSSARO NO INVERNO (Beatriz Oliveira)



Muitos anos se passaram…

Sinto o vento frio me gelar as asas

E o eco das ilusões provoca uma avalanche de medos.

Não posso mais cantar…

Sou um pássaro que o gelo ancorou ao chão.

Já estou coberta até o meio e nem me mover inteira posso.

Não é idade! É cansaço!

E custo a crer que poderei cavar o gelo com minhas próprias asas!

Por mais que tente, sempre me enterro mais,

Porque sempre sonho, sempre amo e o eco é grande demais,

Provocando novas avalanches.

Sei que há alguém que observa e que, do alto da torre,

Estende-me a asa quando o gelo cai.

Mas o branco da solidão gelada me cega

E corto o vento, inutilmente, tentando voar.

Meu corpo dói, minha cabeça dói e dói também

Meu coração de pássaro preso e mudo.

Choro.

E parece que as lagrimas fertilizam o gelo estéril

E, embora independente da natureza nevada,

Sinto que sou, hoje, maior do que pensei ser, ontem.

Cresce, também, em mim, uma esperança.

Talvez a maior esperança de toda a minha fria vida,

Talvez o grande motor das minhas frágeis asas,

A esperança de crescer o bastante a ponto de alcançar aquela mão

Que me aquecerá e me tornará capaz de estender as asas

Ao próximo irmão enterrado na geleira da vida,

Que só congela os tolos, mas que liberta os grandes pássaros!

DEIXA? (Beatriz Oliveira)

Deixa eu te mostrar

O que meu corpo oculta

O cheiro, a cor, o movimento

Deixa eu te levar

Pela chuva, ao relento.

Deixa eu te ensinar

A não temer a luta

(O escudo…A espada no vento)

Deixa eu te ganhar

E serás meu dono, a contento.

Deixa eu me entregar

Como a árvore à fruta,

O gosto, a saliva, o batimento.

Deixa eu sufocar

Meu coração nesse momento.

Deixa eu vivenciar

O que tua bela alma,

Poço de água funda,

Esconde em meu reflexo.

Pois ver-te é delirar

UFO, anel, estrela d’alva,

Bermuda onde meu barco afunda.

Deixa eu navegar pelo teu nexo.

Deixa eu te percorrer

(Co’os dedos…Co’a língua)

As curvas, retas o, atingimento

Do cume do querer

E habitar teu pensamento.

Deixa eu amar sem me perder,

Não me mata à mingua!

Dá-me o teu crescimento,

A criação, dá-me o poder

De ser o teu rebento.

MONÓLOGO DE UMA BRUXA SÓ (Beatriz Oliveira)


_ Vai, vento, vai…

Do que será que foge o vento?

Será de mim? Penso, aliás, que não foge, só corre de si para si.

_ Pra que correr, vento? Obedece à minha vontade e para o tempo!

Onde está o vento que não é mais vento, já foi brisa e agora é nada?

_ Vai vento, vai…Não me atrapalha que tu sejas tu, só me preocupa a folha que cai.

Que o vento alargue os desertos, que ele pode, é o que me preocupa!

Penso, porém, que é só para isso que há desertos. E talvez seja cair, também o destino da folha.

_ Aqui, nesta montanha, negra, pelo caos da noite, ah, lua cheia, meço sua distancia de mim e desejo ardentemente uma vassoura leve e ligeira. Vôo em torno de ti, ó grande moeda de prata suspensa no caos.

Daqui de cima, tudo me parece tão pequeno! Mas vou descer, porque, aqui, a noite é mais fria.

Nesta montanha, neste dia de outubro, nesta primeira hora, tudo me parece estar ajustado. Só eu não sei o meu lugar. Uivo aqui e lá. Falo com elementais, provoco a chuva, sei voar e parece que sou como o vento: vivo correndo de mim para mim.

Lá em baixo, sou uma mulher comum, tenho um trabalho, uma casa, uma família, mas nada me pertence. Minha pessoa é impessoal!

Só consigo ser eu mesma, aqui, neste vazio total, onde abro meu peito de chumbo e deixo, ao sereno, o meu coração verdadeiro.

Deus, Rei faiscante do reino inimaginável do fogo transformador, purifica o meu corpo vil que se embrutece e se alarga numa contradição necessária, porque os homens vêm a mim purificar-se, mas eu tenho de vir a ti.

Deus, rainha geradora do reino do tudo e do nada universal, traze-me a ressurreição da alma que vai e vem numa viagem indispensável, porque os homens vêm a mim para renascer, mas eu tenho de vir a ti.

Deus, Príncipe afável do reino da misericórdia restauradora da paz, seja comigo para toda a eternidade, porque os homens vêm a mim para amar, mas eu tenho de vir a ti.

_ Vai vento, vai… Compreendo-te o íntimo porque sou como tu. Sou compacta e etérea e vivo correndo, arrastando folhas e areias, para que tudo tome seu lugar, porém, correndo de mim para mim, sem nunca poder me encontrar.

A CABRA AMARELA (Beatriz Oliveira)

Era uma vez uma cabra amarela. Peralta, adorava andar na pinguela. Mas como a pinguela andava meio requenguela, todo mundo dizia:

_ Cabra amarela, não passe na pinguela!

E a cabra torcia o nariz, dava de ombros e passava nela.

A mamãe cabra dizia:

_ Cabra amarela, não passe na pinguela, ela anda meio requenguela!

Mas a cabra amarela ignorava e passava nela.

Um dia, enquanto a cabra amarela passava na pinguela, de tão requenguela ela quebrou e a cabra amarela caiu lá embaixo, na viela. Todo mundo viu e riu dela.

Coitada da cabra amarela! Ficou toda suja de lama e ainda quebrou a costela.

UM DIA NA VIDA DE MARCELA (Beatriz Oliveira)

Marcela abriu os olhos ao despertar do relógio. Cinco horas. Espreguiçou-se, olhou para Roberto, que ainda roncava sob o edredom, e se levantou. Lavou o rosto e se olhou no espelho.

_ Nossa, que horror! Preciso de uma boa maquiagem hoje.

Foi-se arrastando até a cozinha e, ainda sonolenta, triturou alguns dentes de alho, refogou-os e jogou o arroz que havia lavado de véspera. Retirou a carne assada do freezer e deixou-a sobre a pia. Enquanto o arroz cozinhava, lavou as folhas de alface e agrião que comporiam a salada do almoço.

Roberto chegou na porta da cozinha e perguntou se o café já estava pronto.

_ Ainda não. Bom dia pra você também.

Marcela colocou água na cafeteira e foi acordar os filhos. Eduardo, com dezessete anos, e Ester, com quinze. Ambos levantaram após o beijo matinal, não sem antes reclamarem do carinho desnecessário.

Marcela tomou um banho meio frio, para despertar completamente. Teria um dia cheio: quatro casas para mostrar e… vender! Ao descer, Eduardo tinha terminado o café e já estava saindo.

_ Preciso ir. – Disse, carregando com os pés a passadeira da sala. E bateu a porta com força.

Marcela tomou café com os filhos, que logo se despediram e foram para a escola. Ela, então, foi ao quarto e vestiu um terninho cor de vinho e uma blusa preta, com decote em V, que lhe realçava os seios.

Foi até o banheiro e conseguiu, finalmente, urinar em paz. Sentada na privada, começou a olhar em volta e percebeu como o seu banheiro era bonito. Azulejado de azul petróleo, até o teto, com uma faixa larga de cor branca, mesclada com azul claro. Seu box era de vidro jateado e escondia um banheira individual, mas confortável. Tinha uma casa bonita.

Roberto era um advogado de sucesso e ambos conseguiram construir a casa de seus sonhos, à custa de muito trabalho e de muitos desentendimentos. Agora, tinham uma boa situação financeira, mas quase nem se falavam. Quando Roberto demonstrava interesse em transar, ela se submetia. Mas não era como antes…

Marcela se lembrou de que tinha marcado hora com um cliente. Passou um pouco de rouge, lápis preto nos olhos, rimel e um batom da cor do terno. Calçou os saltos pretos que já aguardavam atrás da porta e, passando a mão na bolsa preta, previamente arrumada, saiu correndo pela porta afora. No carro, ajeitou os cabelos curtos e arrancou.
Mostrou três casas, até às duas da tarde. Os clientes se mostraram muito interessados, mas ficaram de dar a resposta depois. Marcela sabia que não era um bom sinal. Resolveu comer alguma coisa e entrou num restaurante self-service, próximo da praça central da cidade. Serviu-se e comeu, com certo desânimo: ainda faltava uma casa para mostrar. Estava louca para tomar um banho e se deitar no sofá da sala. Mas ainda tinha que dirigir por cerca de uma hora, até a casa na periferia.

Terminou o almoço, foi até o banheiro e escovou os dentes. Ajeitou um pouco os cabelos, retocou o batom e saiu. Sentou-se no banco do carro, suspirou e deu a partida. Dirigiu até a casa, ouvindo um CD de Alicia Keys.

Ao chegar, se deparou com uma caminhoneta verde musgo, parada em frente à casa. Desceu do carro, pensando:

- Deve ser um velho chato e indeciso.

Suspirou profundamente, enquanto pegava a bolsa e, ao virar-se, deu de cara com uma mulher alta, loura, esguia e desconcertantemente bela. Usava uma saia justa, abaixo do joelho, cor de uva, e uma blusa lilás, transparente, que deixava ver o sutiã preto, meia-taça. Seu rosto era alongado, seus olhos azuis sobressaíam com o lápis preto e as sobrancelhas grossas, mas desenhadas. Os cabelos soltos estavam levemente desgrenhados. Seus lábios eram grossos e tinham um aspecto molhado. Marcela ficou paralisada por um instante. Nunca havia visto uma mulher tão bela. De repente, sentiu-se frustrada por não ser tão bonita. Será que seu casamento chegara ao fim por causa de uma outra mulher como aquela? Não era possível! Ela era perfeita. Não havia outra mulher igual. Mas o que eram esses pensamentos em sua cabeça?

- Senhora Casaes? Está tudo bem?

- Sim, sim. Desculpe-me. Estou um pouco avoada hoje. Acho que é trabalho demais. Espero não ter-me atrasado.

- Não, não. Fui eu quem chegou cedo demais. Sou muito ansiosa e a descrição desta casa me fez sonhar, senhora Casaes.

- Por favor, me chame de Marcela.

- Agatha. Muito prazer.

- Vamos entrar?

Marcela estava sentindo um calor absurdo e sua cabeça estava um redemoinho. Por que perdera tanto tempo analisando uma mulher?

Marcela abriu a porta e deixou Agatha entrar primeiro. A sala era muito clara e tinha alguns móveis e tapetes.

- Os proprietários deixaram a mobília, porque se mudaram para longe e em regime de emergência. Parece que algum parente doente…

Ágatha foi percorrendo os corredores e encontrou a cozinha. Muito ampla e cheia de apetrechos pendurados. Ágatha tirou da bolsa um pacotinho de chá de hortelã, enquanto Marcela falava e falava sobre as qualidades da casa.

A visitante ferveu água e fez chá para duas. Estendeu a xícara para Marcela:

- Acho que você precisa relaxar um pouco, senhora Casaes.

Marcela pegou a xícara e ambas se dirigiram à sala de estar. Depois do segundo gole, bem quente, Marcela sentiu-se relaxar e se sentou no sofá macio. Ágatha a observava detidamente. Após notar a aliança de ouro em sua mão esquerda, perguntou.

- Senhora Casaes, a senhora é feliz em seu casamento?

Marcela deu um pulo e engasgou. Mas o olhar de Ágatha era enfeitiçante. Ela baixou a cabeça e confessou que há muitos meses não sabia o que era um orgasmo. Ágatha se sentou ao lado de Marcela e encostou, quase sem querer o joelho na perna dela. Marcela se arrepiou. Ágatha levou a mão esquerda até a orelha direita de Marcela e elogiou o brinco de pérola.

- Você parece tão doce, senhora Casaes.

Marcela se entregou ao carinho, fechando os olhos. Ágatha se aproximou e elogiou seus cabelos, passando de leve os dedos por entre os pequenos cachos. Aproximou sua boca do ouvido de Marcela e sussurrou algo quente.

Marcela amoleceu e se deixou escorregar pelo sofá. Ágatha abriu a blusa da corretora e acariciou seus seios com um carinho profundo, e sugou-os, alternadamente, como um bebê. Levantou a saia de Marcela e lhe acariciou até o êxtase. Desceu as mãos pelas pernas e abriu-as, delicadamente, enquanto as beijava. E, com um carinho intenso, começou a lamber sua vulva, primeiro levemente, depois com rapidez, até Marcela gemer de prazer.

Ágatha, se levantou foi até o banheiro e lavou o rosto e as mãos. Passou pela sala, onde Marcela ainda se encontrava estirada sobre o sofá.

- Não gostei da casa, senhora Casaes, mas adorei a tarde. Até mais.

Ágatha saiu e deu partida no carro. Marcela levou algum tempo para se erguer. Não acreditava no que tinha acontecido. Levantou-se, lavou-se no banheiro, arrumou os cabelos e saiu, fechando a casa.

- Outra venda perdida.

Marcela dirigiu até em casa, com um sorriso nos lábios. Seus pensamentos estavam voltados para o fato de que nunca tivera um orgasmo por sexo oral com Roberto. Ao chegar em casa, beijou as crianças e subiu. Tomou um longo banho, sentindo ainda a pele de Ágatha na sua.

Quando Roberto chegou, ela estava deitada no sofá da sala, como sonhara a manhã inteira. Sem dizer palavra, Marcela se levantou e colocou a mesa para o jantar. Todas as atenções estavam voltadas para os dois adolescentes.

_ Como foi na escola, hoje?

_ Quando será a prova de matemática?

_ Coma de boca fechada! Que mania!

_ Quantas vezes eu já disse para prender os cabelos antes de se sentar à mesa?

Após o jantar, as “crianças” foram para seus quartos. Roberto colocou dois cálices de licor de cacau e ofereceu um à Marcela. Ela já sabia o que aquele gesto significava.

Ambos subiram e Roberto apagou as luzes. Quando Marcela se deitou, ele a abraçou por trás cheirando seu pescoço. Marcela sucumbiu. Fingiu o orgasmo, como já fazia há muito tempo.

Roberto olhou para ela, levantando um pouco uma das sobrancelhas e sorrindo de lado. Ela sorriu levemente e deu um suspiro. Era o sinal de que tinha sido bom.

Roberto desligou o abajur e se virou de costas para Marcela. Ela também se virou de costas para ele. Ficou um tempo olhando para um ponto fixo na parede escura, pensando na vida vazia que tinha. Finalmente, adormeceu e sonhou a noite inteira com a tarde de prazer que teve com aquela mulher que não conhecia, mas que a conhecia como ninguém; e que jamais veria de novo, mas que nunca mais esqueceria.