Quem sou eu

Minha foto
Maricá - Itaipuaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Sou poetisa, cantora, compositora e amante das artes.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

GOSTAR (Beatriz Oliveira)



Com as dificuldades da vida, eu aprendi a gostar...

Aprendi a gostar de mamão, pra soltar constipação,

De chuchu, pra comer com camarão,

De ver por dentro, pra chegar no coração.

Hoje gosto de tanta coisa bela!

Liberdade, beijo, flor, janela...

Sol, lua, terra, céu, pijama de flanela

E dormir nua e solta no colchão.

Descobri que gostar é amplo como a primavera.

Gosto de ópera, seresta, regional, forró,

Rock, jazz, hip-hop, funk, samba,

Gosto de compor, curtir, esmiuçar, dar nó,

Elucubrar e dançar zouk de ficar com a perna bamba.

Gosto de ouvir, falar, pensar, mecanizar,

Gosto do fácil, do difícil, do abstrato, do concreto,

De cair na grama à tarde pra ver o sol deitar

E de deitar na cama à noite pra mirar o teto.

Aprendi a gostar de coisas chatas...

Gosto de rúcula sem azeite, ovo sem sal,

Vinho seco e gengibre pra garganta em distocia,

De boldo em sumo pra fígado teimoso

E de adoçante pra evitar hiperglicemia.

Aprendi a gostar de quem não gostava,

Porque a vida surpreende e ensina

Que é bom gostar de quem gosta da gente

E que, às vezes, é bom fazer verso sem rimar,

Porque rima prende e prender impede de gostar.

Aprendi a gostar de quem já amava,

Porque amar, às vezes, é dado goela abaixo

Mas gostar se configura, se compõe, se trava.

Gosto de tudo um pouco, hoje, mesmo em mim,

Apesar de em mim...

Aprendi que gostar é uma decisão

E eu decidi gostar... Seja o que for...

Velho ou novo, punk ou balé, feio ou bonito,

Porque tudo é uma grande ilusão.

O gostar está em mim e de mim aflora

Como a primavera explodindo as razões.

Bilhões de partículas de "gostar" soltas agora

Entorpecendo os velhos ensinamentos,

Como que os preparando para um ritual de sacrifício.

Um ritual onde serão entregues a Hades,

Pois que os mortos que se juntem em seu ofício!

E deixem que vivam os vivos!

Que dos vivos eu gosto!

Dos mortos talvez goste depois, sem preconceito...

Que gostar é grande como o é Deus

E nunca na vida O tenho sentido tão perto...

Tão forte... Tão dentro do peito!

domingo, 20 de fevereiro de 2011

SEMPRE MAIS... (Beatriz Oliveira)



Você sempre precisa de mais...

Mais um pouco de dinheiro ou

Mais um pouco de afeto.

Mais um pouco de solidão ou

Mais um pouco de amigos.

Mais um pouco de paz ou

Mais um pouco de movimento.

Mais um pouco de álcool ou

Mais um pouco de sobriedade.

Mais um pouco de aconchego ou

Mais um pouco de espaço.

Mais um pouco de sorrisos ou

Mais um pouco de lágrimas.

Mais um pouco de frieza ou

Mais um pouco de emoções.

Mais um pouco de educação ou

Mais um pouco de liberdade.

Mais um pouco de loucura ou

Mais um pouco de sabedoria.

Mais um pouco de luz ou

Mais um pouco de escuridão.

Não importa o quanto o mundo inteiro te dê!

Você sempre precisa de mais...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

DESERTO PARTICULAR (Beatriz Oliveira)


... Arrastaram-na, reduzida, até o portal de um deserto. Um deserto particular. Ninguém pode entrar, só ela. Porque é particular dela.

Ela não quer um deserto! Muito menos um tão particular, mas não tem escolha. As coisas são assim e não há com quem debater.

Empurram-na, com força, para dentro, já que faz força para fora mas, nesse momento já se encontra num lugar onde fora e dentro se tornam obtusos.

Desiste de forçar contra e se deixa cair na areia quente. A areia é espessa e agride a sua pele, mas tem um tom bege-claro-brilhoso que lhe encanta.

Um grão, sozinho, é quase transparente, mas juntos, infinitos grãos formam uma camada compacta que a impede de olhar através. De repente ela sente como se abaixo dela houvesse um imenso espelho falso, disfarçado pelos infinitos grãos de areia, e se sente nua. Leva, então as mãos aos seios e ao púbis e percebe, escandalizada que realmente está nua!

Procura desesperadamente se afastar do portal por onde entrou. Sabe que entrou vestida e não deseja ser vista assim! Corre, corre e corre tanto que tropeça e cai, batendo o rosto numa pedra. Leva a mão até o rosto. Sangue! Grita por socorro até ficar rouca! Mas só ouve a sua própria voz.

Resolve se sentar um pouco, mas não há nenhuma sombra, nenhuma árvore, nenhum lugar onde possa descansar. Então se põe a caminhar, sem saber aonde esse caminho a levará.

O sol começa a crispar seus pelos e o suor a descer por sua pele. O sangue seca e embaça um pouco sua visão. A sede começa a chegar, mas nem sinal de um oásis! Olha em volta e só areia, pedra e solidão...

Continua a caminhada, sem saber aonde esse caminho a levará. Mas caminha sabendo que ficar extática também não levará a nada!

Lembra de seus bichos de pelúcia sobre a cama segura e dos risos das crianças nas praças de arvoredos que jamais voltará a ver, crê.

Sua pele está vermelha e ardendo, sua cabeça começa a doer e sua ferida conflagra. Tem vontade de chorar, mas não há ninguém para lhe abraçar, seria inútil. Engole o choro. Continua a caminhada...

Vê algumas pedras logo à frente e resolve se sentar um pouco. Esqueceu-se de estar nua. O calor da rocha lhe queima as nádegas e ela, de um salto, cai na areia também quente, soltando só um gemido grave. Não adianta gritar.

De onde está, pode ver, sob as pedras, os animais desérticos se movendo: salamandras, serpentes, escorpiões, aranhas... Aterrorizada, começa a correr, mas aonde quer que vá, lá estão eles. Corre, incansavelmente, por horas, suando, desesperada, tentando espalhar de si o medo que lhe é tão peculiar. Mas não adianta: não há ninguém para lhe socorrer.

Seus pés nus estão agora em carne viva. E suas forças esgotadas. Correu em círculos, um dia inteiro, do deserto, dos bichos, de si...

Resolve, então, sentar-se. Na areia mesmo. Não há cadeiras, não há sofás, não há divãs...

Suas nádegas queimadas incomodam ao encostar na areia quente novamente, mas ela já não liga. Fica olhando para os pés deformados e vê a areia colada ao sangue deles, formando uma pasta espessa e vermelha que lhe serviria para pintar alguma coisa, se tivesse sua tela agora. Tem parte dos cabelos colada ao sangue no rosto e nem tenta tirar. A outra parte voa, com o vento. Não há odores no deserto. A mistura seca lhe impede de identificá-los com suas narinas também ressecadas e feridas. Sua pele já começou a rachar, bem como seus lábios. Não tem nem saliva. Suas unhas estão quebradas e, algumas, perdeu e seus dedos sangram. Se quisesse chorar, não teria lágrimas. Mas ela não quer mais chorar.

Coloca-se de joelhos dobrados e os abraça e fica olhando o sol, sentindo a pele calcinar. Os escorpiões e as aranhas passeiam sobre ela como se fizesse ela parte daquele cenário agora. Como se ela fosse um ímã. As serpentes a olham como se lhe invejassem por ser tão íntima desse seu lugar que ela conhece há tão pouco tempo. Mas não lhe tocam, como se ela fosse divina, como se não lhe pudessem tocar.

Ao longe, o vento traz um som... Mas ela não presta atenção. Vigia o sol no horizonte. O som... Ela não ouve. O vento começa a ficar mais forte e a areia vai-lhe cobrindo os pés e as pernas. A sensação tornou-se-lhe familiar e nada desagradável. Seus cabelos começam a ficar bege-claro-brilhantes. O som! Chamam seu nome! Ela olha, devagar, na direção do portal e percebe que a chamam de volta. Pode desistir, se quiser! É a hora!

“Fodam-se todos!” – Ela pensa, pois não quer nem falar.

Volta o olhar e fica sentada, sentindo a carne dissolver, o vento trazendo a areia que cobre o que restou do seu corpo, seus ossos, os animais que lhe amam como parte de seu habitat e resolve ficar assim, ali, no seu deserto particular, esperando o seu sol particular se pôr...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O MURO (Beatriz Oliveira)



Enquanto pensamos estar despertos

A vida vai traçando seus caminhos estranhos

Nos envolvendo em sonhos concretos

De vários tamanhos

E eu fecho os meus olhos pra ouvi-lo cantar

E ele canta o amor que deseja

A magia de um amor profundo,

Mas ergue muros à sua volta,

Se tranca num cubo e se esconde no fundo.

Enquanto buscamos o toque

O toque se empedra.

Quando o amor se individualiza

A chance se quebra,

O amor real vai embora.

E quando pensamos estar sonhando

Descobrimos que era real,

Mas perdemos a hora...

E eu fecho os meus olhos pra ouvi-lo cantar

E ele canta e dança sob a sombra

De um castelo destruído

Dando voltas e mais voltas sem sentido.

Ele canta o amor que deseja

A magia de um amor profundo,

Mas ergue muros à sua volta,

Se tranca num cubo e se esconde no fundo.

E mesmo de olhos fechados eu vejo

Que não sou eu, nem ela, nem ninguém!

É ele com ele mesmo,

Em seu castelo dos muros de além...