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Maricá - Itaipuaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Sou poetisa, cantora, compositora e amante das artes.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

DESERTO PARTICULAR (Beatriz Oliveira)


... Arrastaram-na, reduzida, até o portal de um deserto. Um deserto particular. Ninguém pode entrar, só ela. Porque é particular dela.

Ela não quer um deserto! Muito menos um tão particular, mas não tem escolha. As coisas são assim e não há com quem debater.

Empurram-na, com força, para dentro, já que faz força para fora mas, nesse momento já se encontra num lugar onde fora e dentro se tornam obtusos.

Desiste de forçar contra e se deixa cair na areia quente. A areia é espessa e agride a sua pele, mas tem um tom bege-claro-brilhoso que lhe encanta.

Um grão, sozinho, é quase transparente, mas juntos, infinitos grãos formam uma camada compacta que a impede de olhar através. De repente ela sente como se abaixo dela houvesse um imenso espelho falso, disfarçado pelos infinitos grãos de areia, e se sente nua. Leva, então as mãos aos seios e ao púbis e percebe, escandalizada que realmente está nua!

Procura desesperadamente se afastar do portal por onde entrou. Sabe que entrou vestida e não deseja ser vista assim! Corre, corre e corre tanto que tropeça e cai, batendo o rosto numa pedra. Leva a mão até o rosto. Sangue! Grita por socorro até ficar rouca! Mas só ouve a sua própria voz.

Resolve se sentar um pouco, mas não há nenhuma sombra, nenhuma árvore, nenhum lugar onde possa descansar. Então se põe a caminhar, sem saber aonde esse caminho a levará.

O sol começa a crispar seus pelos e o suor a descer por sua pele. O sangue seca e embaça um pouco sua visão. A sede começa a chegar, mas nem sinal de um oásis! Olha em volta e só areia, pedra e solidão...

Continua a caminhada, sem saber aonde esse caminho a levará. Mas caminha sabendo que ficar extática também não levará a nada!

Lembra de seus bichos de pelúcia sobre a cama segura e dos risos das crianças nas praças de arvoredos que jamais voltará a ver, crê.

Sua pele está vermelha e ardendo, sua cabeça começa a doer e sua ferida conflagra. Tem vontade de chorar, mas não há ninguém para lhe abraçar, seria inútil. Engole o choro. Continua a caminhada...

Vê algumas pedras logo à frente e resolve se sentar um pouco. Esqueceu-se de estar nua. O calor da rocha lhe queima as nádegas e ela, de um salto, cai na areia também quente, soltando só um gemido grave. Não adianta gritar.

De onde está, pode ver, sob as pedras, os animais desérticos se movendo: salamandras, serpentes, escorpiões, aranhas... Aterrorizada, começa a correr, mas aonde quer que vá, lá estão eles. Corre, incansavelmente, por horas, suando, desesperada, tentando espalhar de si o medo que lhe é tão peculiar. Mas não adianta: não há ninguém para lhe socorrer.

Seus pés nus estão agora em carne viva. E suas forças esgotadas. Correu em círculos, um dia inteiro, do deserto, dos bichos, de si...

Resolve, então, sentar-se. Na areia mesmo. Não há cadeiras, não há sofás, não há divãs...

Suas nádegas queimadas incomodam ao encostar na areia quente novamente, mas ela já não liga. Fica olhando para os pés deformados e vê a areia colada ao sangue deles, formando uma pasta espessa e vermelha que lhe serviria para pintar alguma coisa, se tivesse sua tela agora. Tem parte dos cabelos colada ao sangue no rosto e nem tenta tirar. A outra parte voa, com o vento. Não há odores no deserto. A mistura seca lhe impede de identificá-los com suas narinas também ressecadas e feridas. Sua pele já começou a rachar, bem como seus lábios. Não tem nem saliva. Suas unhas estão quebradas e, algumas, perdeu e seus dedos sangram. Se quisesse chorar, não teria lágrimas. Mas ela não quer mais chorar.

Coloca-se de joelhos dobrados e os abraça e fica olhando o sol, sentindo a pele calcinar. Os escorpiões e as aranhas passeiam sobre ela como se fizesse ela parte daquele cenário agora. Como se ela fosse um ímã. As serpentes a olham como se lhe invejassem por ser tão íntima desse seu lugar que ela conhece há tão pouco tempo. Mas não lhe tocam, como se ela fosse divina, como se não lhe pudessem tocar.

Ao longe, o vento traz um som... Mas ela não presta atenção. Vigia o sol no horizonte. O som... Ela não ouve. O vento começa a ficar mais forte e a areia vai-lhe cobrindo os pés e as pernas. A sensação tornou-se-lhe familiar e nada desagradável. Seus cabelos começam a ficar bege-claro-brilhantes. O som! Chamam seu nome! Ela olha, devagar, na direção do portal e percebe que a chamam de volta. Pode desistir, se quiser! É a hora!

“Fodam-se todos!” – Ela pensa, pois não quer nem falar.

Volta o olhar e fica sentada, sentindo a carne dissolver, o vento trazendo a areia que cobre o que restou do seu corpo, seus ossos, os animais que lhe amam como parte de seu habitat e resolve ficar assim, ali, no seu deserto particular, esperando o seu sol particular se pôr...

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