
_ Vai, vento, vai…
Do que será que foge o vento?
Será de mim? Penso, aliás, que não foge, só corre de si para si.
_ Pra que correr, vento? Obedece à minha vontade e para o tempo!
Onde está o vento que não é mais vento, já foi brisa e agora é nada?
_ Vai vento, vai…Não me atrapalha que tu sejas tu, só me preocupa a folha que cai.
Que o vento alargue os desertos, que ele pode, é o que me preocupa!
Penso, porém, que é só para isso que há desertos. E talvez seja cair, também o destino da folha.
_ Aqui, nesta montanha, negra, pelo caos da noite, ah, lua cheia, meço sua distancia de mim e desejo ardentemente uma vassoura leve e ligeira. Vôo em torno de ti, ó grande moeda de prata suspensa no caos.
Daqui de cima, tudo me parece tão pequeno! Mas vou descer, porque, aqui, a noite é mais fria.
Nesta montanha, neste dia de outubro, nesta primeira hora, tudo me parece estar ajustado. Só eu não sei o meu lugar. Uivo aqui e lá. Falo com elementais, provoco a chuva, sei voar e parece que sou como o vento: vivo correndo de mim para mim.
Lá em baixo, sou uma mulher comum, tenho um trabalho, uma casa, uma família, mas nada me pertence. Minha pessoa é impessoal!
Só consigo ser eu mesma, aqui, neste vazio total, onde abro meu peito de chumbo e deixo, ao sereno, o meu coração verdadeiro.
Deus, Rei faiscante do reino inimaginável do fogo transformador, purifica o meu corpo vil que se embrutece e se alarga numa contradição necessária, porque os homens vêm a mim purificar-se, mas eu tenho de vir a ti.
Deus, rainha geradora do reino do tudo e do nada universal, traze-me a ressurreição da alma que vai e vem numa viagem indispensável, porque os homens vêm a mim para renascer, mas eu tenho de vir a ti.
Deus, Príncipe afável do reino da misericórdia restauradora da paz, seja comigo para toda a eternidade, porque os homens vêm a mim para amar, mas eu tenho de vir a ti.
_ Vai vento, vai… Compreendo-te o íntimo porque sou como tu. Sou compacta e etérea e vivo correndo, arrastando folhas e areias, para que tudo tome seu lugar, porém, correndo de mim para mim, sem nunca poder me encontrar.
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