
Já chega a noite atribulada
Quando os desejos sombrios me povoam a alma
Feito piratas confiscando embarcações,
Navios empilhados de ouro, bauxita, armas brancas,
Armas negras, igualmente poderosas.
Piratas invadindo um Iate Real, ordeiro
E transformando-o numa embarcação nefasta!
Onde a primeira regra é seguir às ordens da capitã e
A segunda regra é que não há mais regra alguma,
Na busca incessante pelo hedonismo racional.
Hedonismo racional? Hão de perguntar!
Que piratas mais loucos! Hão de dizer!
E eu direi que o hedonismo sem a razão
É um cavalo potencial na raia sem seu jóquei.
O prazer é algo irrefreável sem o conhecimento.
Por isso os piratas lutam sempre, sempre...
Alguns pelo amor, alguns pelo entendimento.
Luta vil, mormente quando se pretendia dormir
E se é tomado pelo sombrio gosto do temor.
Um temor de delícias, que quem as teme?
Às vezes, eu, sim, as temo, que se começo
Já me perco, ensimesmada, e não sei como parar.
Um temor de análises, que todos temem
E só eu pareço não temê-las o bastante e arriscar
Meu papo flácido sob o aço frio e cortante,
Minha cabeça numa bandeja de prata,
Durante um jantar no navio, regado a lenços de voile.
Beleza, juventude, vida e sangue quente
Num corpo separado de sua preciosa cabeça.
Preciosa cabeça sem valor e serventia
Para essa vida onde nada tem controle, nem destino.
Assim. Assim, tornado homem decapitado,
Sem olhos, nariz e ouvidos voltados para fora,
Consigo me perceber melhor.
Posso ver minhas dores e não as dos outros;
As minhas preocupações; as dívidas da minha família,
E não as do resto do país.
Posso ver como tenho sido egoísta comigo mesmo,
Privando-me da companhia e do amor familiar,
Em prol do capital, intelectual, do status.
Como tenho sido tolo tendo porque todos têm;
Fazendo porque todos fazem;
Comendo porque todos comem;
Fumando porque todos fumam e
Dormindo só, pois todos vão embora em algum momento
E fico só eu, comigo, e com tudo o que eu fiz.
Há um momento em que a cabeça na bandeja pulula.
Mas eu não sou mais o seu lugar.
É hora de fatiar o suculento prato principal
E se acostumar com a lembrança de um levíssimo sabor.
Lábios hedonistas hão de saborear miolos truculentos
E lhes parecerão carne mal passada de polvo que não quis a morte,
Mas morreu assim mesmo, eis que nessa hora não se discute.
Hão de saborear o gosto de uma vida nova, agridoce,
Em que jogaram fora antigos conceitos arraigados
E se trouxeram novos em substituição.
Há que haver alguma mudança! Uma reação!
Uma ventania há de passar e enfunar as velas!
Eu hei de gritar aos quatro cantos da terra:
VENTO! - VENTO! -VENTO! - VENTO!
Vêm ao meu auxilio Cronos e Eólo,
Afastando todo o julgamento e o passado.
Nesta manhã desconcertada, despertarei sincera
Limpa, cheia de mim mesma, de tempo e de vida.
Porque se vencer demanda imprecisão,
Ética, mas acima de tudo, coragem de olhar para si.
Eu me olhei e me vi sem cabeça.
Ouso dizer que sou mais bela assim.
Mula sem cabeça de crina longa e loura,
Prontinha pra ser feliz como Deus quiser.
E a cabeça da bandeja?
Ah, essa vai balançando doida ao som do meu tchi ki bum bum.